Para ter a consciência que o funk tem o seu lugar

21 de agosto de 2013

Rebeca Letieri e Gustavo Amaral

No site oficial da Associação, a frase de abertura é de Mahatma Gandhi: "Temos que ser a mudança que queremos para o mundo". Contra o preconceito e a discriminação do Funk, em 10 de dezembro de 2008, Leonardo Mota, o MC Leonardo, fundou a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk), objetivando defender os direitos dos funkeiros, lutando pela Cultura Funk.

Para isso, a Associação promove atividades e debates que conscientizem os artistas sobre os seus direitos. Segundo o próprio site, a ponte entre asfalto e morro é feita através de "Rodas de funk, palestras e videos são alguns instrumentos utilizados pela associação para levar a mensagem da Associação para universidades, escolas, cadeias, favelas, praças, ruas e todas as instituições da sociedade que abram espaço para debater a nossa cultura."

“Conheci a APAFunk em 2009 através de algumas das suas conquistas. Em 2010 participei de uma roda na Cantareira, em Niterói, com o MC Leonardo. Estranhei porque na Cantareira todos os eventos enchiam, e não foi o caso do funk. Existia um esvaziamento do espaço. Nesse tempo eu notei que quatro carros da polícia passaram pelo local mandando desligar o som. Eu já sabia da discriminação do funk. E isso ainda é visto hoje”, comentou a estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do APAFunk, Catherine Lira. 

 “Era trabalhador, pegava o trem lotado 
E a boa vizinhança era considerado 
E todo mundo dizia que era um cara maneiro 
Outros o criticavam porque ele era funkeiro”
(Rap do Silva – MC Marcinho)

A estudante ainda ressalta a importância do papel político que a Associação cumpre na sociedade, permitindo debates nas comunidades na busca por autonomia. “A Associação coloca o favelado e o funkeiro como protagonistas nesse processo. É mais do que realizar um evento e reunir o pessoal. É garantir a luta pelo espaço, contra a discriminação da música e do favelado. Funk não é crime, é cultura”, completou. 

A forma como o Estado trata a cultura popular já foi tema de debate em diversas universidades do Rio de Janeiro. A política de proibição e repressão a eventos nas favelas do Rio trouxe algumas questões a serem levantadas pelo grupo: a Resolução 013, conhecida como "Zero Treze", é a norma usada pelo governo que dá poderes para a Polícia Militar proibir o baile funk nos espaços públicos e comunidades. “Quando você proíbe um baile na favela, não é só um evento que você está proibindo. Você está cerceando o espaço de lazer que as pessoas têm. É toda uma vida na favela que você está impedindo de fazer história”, ressalta Catherine. 

Além de ferir a Constituição, como o direito à cultura e de manifestação cultural, a resolução também passava por cima do direito do trabalhador – os produtores –, submetendo-os ao poder da Polícia Militar. “Causou estranhamento saber que a gente tinha que pedir autorização para policiais para fazer qualquer tipo de evento social, esportivo ou cultural”, afirmou Guilherme Pimentel, também membro da APAFunk.

Funk como cultura

Deputados aprovam Lei 5543: reconhecimento oficial do funk como cultura
Em sua trajetória, a Lei “Funk é Cultura” (Lei 5543/2009) foi um marco que definiu o início da mudança da relação do Estado com os artistas funkeiros. A exigência que se fazia era básica: em vez de repressão, queriam respeito, financiamento e incentivo. 

A APAFunk deu início à criação dessa lei que reconhece o movimento como cultura, revogando a Lei 5265/08, que restringia os eventos de funk. A necessidade de dar visibilidade ao movimento fez expandir as rodas. Em 1º de setembro de 2009, a Assembleia Legislativa (Alerj) do Rio de Janeiro aprovou, por unanimidade, o projeto dos deputados Marcelo Freixo (PSOL), em parceria com Paulo Melo (PMDB) e Wagner Montes (PDT). Cerca de 700 jovens ocuparam as galerias internas da Alerj e as ruas próximas. O funk, a partir de então, tornava-se oficialmente cultura. 

Diante dessa conquista, surgiram os primeiros editais do Governo do Estado voltados diretamente para a cultura funk, como o primeiro projeto com programação do estilo musical carioca em uma rádio pública, além da inauguração de diversos grandes bailes. 

O site da APAFunk também publica textos sobre leis e outros projetos sobre o movimento. “É uma coisa que se desconstrói com o tempo. Não que a gente precise de um papel para poder reconhecer que o funk é cultura. Não vou dizer que o Estado não avançou. Hoje o Estado já sabe da existência de uma Associação, e isso já é uma vitória. Mas a gente continua tendo problemas pra realizar rodas de funk dentro da favela”, comentou o presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk, Mano Teko.

Além disso, a Associação se orgulha de outras conquistas, como a aproximação com outros movimentos sociais e a cartilha “Liberta o pancadão – o manual de direitos do MC”, feita em parceria com o movimento Direito para Quem e a revista Vírus Planetário. Ela vem com uma série de informações sobre a história do funk, além de esclarecer artistas e profissionais sobre assuntos como direitos autorais, proteção e garantia da autoria da obra, entre outros. 
A intenção é ampliar a diversidade da produção musical funkeira, através de sua difusão na sociedade, fornecendo alternativas para quem quer entrar no mercado e garantindo assessoria jurídica e de imprensa, essenciais para proteger os direitos e a imagem dos artistas.

Apesar disso, o presidente da APAFunk reclama sobre questões não apenas contratuais, mas também de linguagem: “Existem duas rádios para você tocar. Aí é obrigado a assinar um contrato, sobre o qual você não dialoga. A questão da linguagem quebrou um pouco, mas alguns lugares ainda insistem que você tem que falar sobre determinado tema. Se você fizer um rap sobre a sua rua, como o funk bem colocou as favelas no mapa do Brasil, dificilmente vai conseguir tocar”, comentou Mano Teko.

A favela na mídia

“Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci
E poder me orgulhar / E ter a consciência 
Que o pobre tem seu lugar”
(Rap da Felicidade – Cidinho e Doca)

O termo “favela” tornou-se importante ícone de reconhecimento e respeito nas redes sociais. Porém, para os amigos do funk o “X da questão” é outro: “A gente não tem apoio de nada. Temos as redes sociais pra usar a nosso favor. Enquanto o outro lado, que criminaliza o movimento, tem a TV Globo e diversos programas. O funk agora está em todas as festas, em todas as boates. Legal, mas e na base, como é que está?”, indagou Mano Teko. 

Mano Teko, também na Alerj, lutando pela Lei Funk é Cultura. 
A intenção não é radicalizar a divisão entre favela e asfalto. Porém, uma crítica que a Associação faz é com relação ao uso do termo para fins pessoais com o objetivo de conseguir promoção através do uso de sua linguagem. 

“Às vezes acho que a classe artística é a pior, porque tem um jogo de ego. O cara quer ser o centro da parada, ter visibilidade. Uma coisa que a APAFunk já no primeiro contato com profissionais deixa bem claro é que isso não faz parte da discussão. A gente não quer dar visibilidade a ninguém. A gente quer que as nossas pautas sejam discutidas”, ressaltou o presidente.

O complexo do Alemão é o exemplo mais próximo dessa ocorrência: Teleférico, Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e tráfico, como foi representado recentemente na novela da Rede Globo “Salve Jorge”. A comunidade não deixa de ser um local importante, porém, para os amigos do funk nada deve ser como um espetáculo. 

“Escuto vários profissionais falarem que o funk está no seu melhor momento, porque está na novela, está no Domingão do Faustão. E eu fico feliz pelo MC Coringa, o MC Sapão e a MC Anitta. Quero que eles continuem ou até estejam acima do que eles consideram ideal em termos de carreira. Só que não posso me prender à carreira do MC A, do DJ B ou da equipe C. Enquanto essa galera está assim na televisão, é muito positivo. É altamente negativo saber que o ‘menor’ está sendo proibido de ouvir funk na base”, comentou Teko. 

Da favela ao fenômeno Naldo
O samba nascido na Bahia, no século XIX, da mistura de ritmos africanos se desenvolveu no Rio de Janeiro. Durante a década de 20, quem fosse pego dançando ou cantando o estilo musical corria um grande risco de ir preso. Isso se explica pelo fato de que o samba era ligado à cultura negra, marginalizada na época. Só mais tarde, no início dos anos 40, é que ele passou a ser encarado como símbolo nacional.
O samba e o funk carioca são movimentos de membros dessas camadas sociais. Eles resultam de uma invenção independente de uma parcela da população do Rio de Janeiro marginalizada em vários aspectos. Representam manifestações culturais de massa do país, e estão diretamente relacionados aos estilos de vida de moradores de periferias e favelas. Além disso, possibilitam algo raro na sociedade: a aproximação entre classes sociais diferentes, estabelecendo trocas culturais. 
O antropólogo Hermano Vianna, autor de estudos pioneiros sobre o estilo musical, como “O Mundo Funk Carioca” (1988), comentou o sucesso para a Folha Online: “Não conheço outro exemplo tão claro de virada mercadológica na cultura  pop contemporânea. O funk agora tem números claros que mostram ser uma atividade econômica importante, e que deve, assim, ser levado a sério pelo poder público”.
Apesar do nome, o funk vem, na verdade, da música negra suburbana norte-americana dos anos 60, 70 e 80 – a chamada black music. Desde meados dos anos 80, o rap feito nos guetos de Miami incorporou a gíria de rua local. Com isso, uma sonoridade diferente foi criada dentro do universo do hip-hop: o miami bass, que mais tarde teria influência direta no funk carioca.  
Ao longo da nacionalização do funk, os bailes saíram das favelas e ocuparam espaço importante nas opções de lazer e entretenimento por toda a cidade. Consequentemente, o ritmo ficou cada vez mais popular ao mesmo tempo em que começou a ser alvo de ataques e preconceito da sociedade. 
A partir de 1995, o estilo musical, até então transmitido apenas em algumas rádios, passou a ser tocado em algumas emissoras AM. Devido à proliferação do ritmo nos meios de comunicação, outras camadas da sociedade - e não somente as favelas e periferias - começaram a absorver a cultura funk. 
Diante desse cenário, Mano Teko, reclama que “o funk passa pelo seu pior momento. Assim como o samba, hoje a gente está sofrendo a elitização do movimento”. De acordo com o site da UOL, atualizado em 2013, não são raros os funkeiros que faturam mais de R$ 10 mil por mês. “Para os iniciantes, o cachê parte de R$ 1 mil. Nada mal para quem se desdobra em até 15 shows num único fim de semana. A partir daí, a progressão é geométrica. Se a música, além de ‘bombar’ nas redes sociais, tocar nas rádios, o cachê pula para R$ 10 mil. E quando o clima chega lá no alto, como aconteceu com o cantor Naldo, uma única apresentação pode render R$ 250 mil”. 

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