Empreendedorismo feminino: as donas do negócio


18 de abril de 2015

Por Isabela Zonta e Júlia Ferraro

A última pesquisa Global Entreprernourship Monitor (GEM), divulgada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em 2013, revelou que o número de mulheres com negócio no Brasil cresceu 18% entre os anos de 2002 e 2012, o que corresponde a 7,2 milhões de pessoas. O estudo mostra também que aproximadamente 39% dessas mulheres, além de gerir o próprio empreendimento, são também “chefes” de seus respectivos domicílios. Os dados mostram um novo retrato social e econômico do empreendedor no Brasil.

O crescimento de mulheres à frente de novos negócios é resultado de vantagens competitivas propiciadas por características comuns ao sexo feminino. Facilidade de organização e planejamento, confiabilidade e resiliência, traços frequentemente usados na descrição de pessoas do gênero feminino, colocam a mulher em posição de vantagem no mercado. Pelo menos é o que afirma a jornalista e escritora Joyce Moysés em seu livro “Mulheres de sucesso querem poder... Amar”.

De acordo com Joyce, mulheres se destacam por buscarem qualificação, estudarem mais e analisarem com mais atenção o ambiente de negócios. O relatório Os Donos do Negócio no Brasil: Análise por Sexo, parte integrante da pesquisa GEM corrobora com essa afirmação. Responsável por apresentar uma análise do perfil das 23,1 milhões de pessoas, entre homens e mulheres, donas do próprio negócio – com foco em comparações relacionadas a gênero – o relatório revela que mulheres têm proporcionalmente mais anos de estudo do que homens (8,8 anos contra 7,2 anos), porém ainda recebem um rendimento médio mensal 30% inferior ao recebido pelos empreendedores do gênero masculino.

Joyce Moysés aponta a melhor qualificação e capacidade analítica feminina para o sucesso das mulheres nos negócios (Foto: Reprodução - Programa Vida Melhor)
“Pessoalmente, acho que as mulheres ainda enfrentam algumas barreiras para se provar como empreendedoras. Mulher bem sucedida ainda causa estranhamento”, afirma Alexandre Caseira, coordenador do Instituto Empreender Endeavor, no Rio de Janeiro. O Endeavor é uma organização que identifica, viabiliza e fomenta a continuidade sustentada dos negócios de empreendedores de alto potencial de crescimento. Presente em 18 países, esta ONG atua no Brasil em sete cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife, Curitiba e Porto Alegre. 

“Acredito que ainda existe a questão dos papeis sociais. Você vê menos mulheres em altos cargos executivos muito porque elas não são promovidas até lá, o que é horrível, mas também porque a demanda lá em cima é muito grande. O nível de stress e horas trabalhadas é muito grande. Então muita mulher não procura isso, porque perderá em qualidade de vida e tempo com a família. Isso acaba influenciando a escolha profissional das mulheres pelo empreendedorismo”, argumenta Caseira.

Apesar disso, o coordenador do Instituto Empreender Endeavor acredita que a presença feminina vai aumentar ainda mais no mercado brasileiro. “Existem grupos de promoção, divulgação e apoio a mulheres empreendedoras. Harvard tem um grupo de mulheres líderes. A IBM, uma empresa de tecnologia, é presidida por uma mulher. O Brasil é governado por uma mulher, assim como a Alemanha e a Argentina”, comenta.

A fim de reconhecer nacionalmente e, assim, fomentar iniciativas do público feminino no mercado empreendedor brasileiro, o Sebrae – em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Federação das Associações de Mulheres de Negócios e Profissionais do Brasil (BPW) e a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) – celebra anualmente o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios. Apresentando mulheres que se destacaram ao pôr em prática novas ideias de negócio, o prêmio já homenageou nomes como Heloísa Helena Belém de Assis, a Zica, fundadora e dona de uma empresa da área de beleza.


Novos negócios


Alexandre Caseira vê panoramas comuns a homens e mulheres quando o assunto diz respeito às dificuldades que se apresentam aos novos empresários. Sobre o assunto, ele comenta que o mercado brasileiro é bem complexo. “O Brasil hoje apresenta muitas dificuldades para o empreendedor. Abrir uma empresa é trabalhoso; a carga tributária no país é enorme. Há falta de trabalhadores capacitados, mas também faltam empreendedores capacitados”, analisa. 

A Endeavor realizou uma pesquisa em 2013 a fim de identificar os perfis que compõem o panorama atual do empreendedorismo no país. Neste exame, notou-se que, independentemente do perfil do empreendedor, existe um grande déficit educacional. Entre os quatro maiores problemas enfrentados pelos empreendedores brasileiros, três estão ligados à falta de conhecimento, especialmente nos quesitos gestão de pessoas, fluxo de caixa e administração do negócio. A falta de investimento também aparece como problema recorrente.

Para muitas pessoas, as motivações para se investir em um novo negócio são variadas. A mais comum é a busca por riqueza, pelo primeiro milhão. Há também a vontade de fazer coisas do próprio jeito, ser seu próprio chefe. No caso da enfermeira Marcia Pinto, de 51 anos, foi por necessidade. “Sou enfermeira, mas já trabalhei com muitas coisas, só não vendi a alma. Trabalhei vendendo bijuterias, lingerie. Fazia para complementar a renda. Já o Cozinhando em Casa eu comecei depois que fiquei desempregada”, comenta. 

Cozinhando em Casa (CeC) é um conceito de negócio criado por Marcia, que consiste em ir até a casa do cliente, preparar comidas a serem congeladas e usadas durante a próxima semana. Após uma conversa prévia, é feito o envio de um cardápio e lista de compras com ingredientes selecionados pelo próprio freguês. A ideia de cozinhar nos moldes do CeC surgiu por vários motivos. A enfermeira diz que sempre gostou de cozinhar pratos saborosos para outras pessoas e que aquele era um momento em sua vida em que precisava de dinheiro. “Pensei: se alguém paga diária para faxineira, porque não pagaria diária para fazer comida para uma semana e não se preocupar com a cozinha?”.

No final do ano passado, Marcia passou o negócio para a sobrinha Renata Goulart, 40 anos. Buscando a estabilidade e a segurança dos benefícios e do salário oferecidos quando se tem carteira de trabalho, a enfermeira optou por voltar para a iniciativa privada, aceitando um emprego numa operadora de planos de saúde.

Sob nova chefia, a expansão está no futuro do CeC. Renata é formada em Gastronomia, porém estava fora da área havia três anos. “Queria voltar, mas só o faria quando tivesse a oportunidade de um negócio próprio. Como nada na vida é por acaso, estava eu diante da oportunidade esperada. Aceitei então o desafio da minha tia e o Cozinhando em Casa está crescendo. Já tenho uma página no Facebook, onde divulgo meus trabalhos e atualmente tenho cinco clientes. Meu objetivo para o futuro é treinar uma equipe para ampliar o negócio”, afirmou Renata, em entrevista realizada em 2014.


Inovação


A pesquisa GEM aponta, ainda, que 66% das mulheres iniciam uma empresa após identificar uma oportunidade de mercado. Nesse sentido, a maioria das mulheres que conduzem suas próprias empresas é movida pela oportunidade e não pela falta de alternativas. Na análise sobre a evolução dos "Donos de Negócio" por sexo, verifica-se que, no Brasil, entre 2002 e 2012, predominam negócios com uma pessoa só, ou seja, indivíduos que trabalham por conta própria. Thabata Isabbor, mais conhecida por Allice Red Desire, é a personificação de ambos os dados apresentados anteriormente.

Mesmo com as dificuldades comuns ao novo negócio e os preconceitos provenientes dos papeis sociais delegados às mulheres, Thabata, 24 anos, desafia o convencional e se aventura na tentativa de desmistificar – e ganhar dinheiro – com a dança burlesca. Esse tipo de performance consiste na arte de se despir de maneira, ao mesmo tempo, sensual e bem-humorada.

“Minha maior dificuldade foi a falta de conhecimento do público em geral sobre o burlesco. Houve um real processo de educação, que eu faço até hoje, do público, dos produtores e das casas sobre o que é e como se apresenta a performance burlesca”. Como dançarina, Thabata sempre trabalhou com a questão da sensualidade e consciência corporal. “Tive uma vontade muito pessoal de realizar um trabalho que pudesse canalizar tudo isso”, comenta a jovem, que apresenta sua arte em shows abertos ao público em casas noturnas no Rio de Janeiro, despedidas de solteiro particulares, além de oferecer aula de dança.

Foi durante a faculdade, numa pesquisa sobre o burlesco clássico, que Thabata teve o primeiro contato com o assunto. Mas foi apenas depois de conhecer a carreira de Dita Von Tease, artista responsável pela reestruturação do burlesco na década de 90, que a jovem se apaixonou por esse mundo. Allice Red Desire existe desde 2009, com apresentações para públicos crescentes e produções mais específicas.

A pesquisa Global Entreprernourship Monitor é uma iniciativa da London Business School e Babson College. Realizada em 68 países, cobre 75% da população global e 89% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. No Brasil, é patrocinada pelo Sebrae e realizada pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para o levantamento, foram entrevistadas 10 mil pessoas de 18 a 64 anos, de todas as regiões do país.

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