Mulheres como Protagonistas de Suas Famílias


06 de maio de 2015

Por Samil Chalup

Logo no início da ladeira que leva ao Morro do Preventório, em Niterói, Sônia Maria Faria e Maria Hosana Gomes da Silva atendem à população no Banco Comunitário, onde os moradores podem fazer pagamentos, abrir contas pela Caixa Econômica, retirar cheques e até fazer empréstimos. “Todos aqui conhecem e respeitam a gente”, diz Sônia, que trabalha no banco desde 2011. 

Assim como elas, o Censo 2010 revelou que mais de 600 mil mulheres representam 58,8% da mão-de-obra assalariada no Brasil, a maior porcentagem em toda a história do país. Embora elas ainda recebam, em média, 25,8% a menos do que os homens. Iniciativas como o Banco Comunitário, realizado a partir de uma parceria entre a Ampla e a Universidade Federal Fluminense (UFF), têm ajudado milhares de mulheres a conseguirem sua autonomia dentro do lar.

O Censo 2010 revelou, ainda, que 37,3% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, como a de Sônia Maria, que mora com a filha de 30 anos. “É muita responsabilidade. Você sente que é a dona e acabou. Tem que arcar com tudo”, desabafa Sônia, que afirma não sentir falta da presença do marido, com quem viveu por 30 anos. “Eu sou o homem e a mulher. Sou Maria e sou João”, brinca.

Sônia diz que não se imaginava vivendo sem o marido até pouco tempo antes do divórcio. “Eu era muito dependente do meu marido. Não sabia fazer nada. Nem trocar uma lâmpada”, lembra. A decepção ao descobrir que o marido companheiro mantinha uma outra família foi um dos motivos que levaram Sônia Maria a uma depressão que durou 18 anos. “Eu só ficava em casa deitada. Hoje trabalho porque me faz bem. Se você quiser, consegue o impossível”, ressalta.

A perspectiva de melhora surgiu quando começou a participar do Mulheres da Paz, inciativa do Governo Federal que colocava voluntárias para realizar atividades junto com os jovens da comunidade. Quando o projeto estava para acabar, Sônia e Maria Hosana ficaram sabendo do Banco Comunitário pela publicidade feita em uma escola do morro. “No começo nós não acreditávamos muito, mas começamos a pensar ‘vamos ver no que vai dar’. No início tinham vários voluntários, mas poucos ficaram e nós fomos escolhidas para sermos as funcionárias”, conta Sônia Maria.

Além de oferecer formação às funcionárias, o banco auxiliou as bancárias a iniciar um curso de economia no Colégio Estadual Baltazar Bernardino e promoveu viagens frequentes para que elas se aprimorassem no ramo bancário. “A gente só viaja. A gente é chique. Quando você trabalha, conhece pessoas, sua mente cresce. Em casa você aprende o quê? A cozinhar? Fazer crochê?”, indaga Sônia, que ainda destaca a jornada dupla que muitas mulheres enfrentam diariamente. Ela ainda critica os homens que atribuem a responsabilidade de cuidar dos filhos somente às suas esposas.

“O homem quando se vê em algumas situações, diz que é coisa de mulher. Diz ‘vai resolver com a tua mãe!’. O que eu mais vejo são mulheres que assumem o lar agarradas aos filhos! A mulher supera muita coisa por causa dos filhos”, desabafa.

Maria Hosana concorda que as atividades do lar não impedem a mulher de ter sua autonomia e realizar suas atividades fora de casa. “A mulher precisa ajudar na comunidade. Hoje, a mulher conquista seu espaço, faz faculdade.”, exemplifica. Nascida na Paraíba, Maria Hosana veio nova para o Rio de Janeiro, logo após o casamento. Nascida em uma família conservadora, ela lembra que só pôde sair de casa após o casamento e que ainda foi, por muito tempo, submissa ao marido. “Quando casei, tive dois filhos e só fazia o que meu marido mandava. Hoje eu ajudo em casa, compro as coisas que eu quero”, orgulha-se.

Além dos serviços habituais de uma agência bancária, uma das iniciativas do Banco Comunitário que chama a atenção é o sistema de empréstimos. Quando um morador necessita, pede o valor e recebe o correspondente em Prevês, moeda de circulação interna do Preventório, aceita nos estabelecimentos participantes. Quando algum comerciante leva o que recebeu em Prevês, recebe o valor em reais e o morador paga o empréstimo no tempo determinado.

“Como somos da comunidade, conhecemos as necessidades de cada pessoa, então não ficamos cobrando. E, às vezes, a pessoa não paga em dinheiro, mas faz algum serviço para o banco. Então fica quitado”, comenta Sônia. O tempo de trabalho das funcionárias no banco é de quatro anos, período que vencerá em 2015, mas Sônia e Hosana não pretendem se afastar do trabalho comunitário. “Isso aqui são várias faculdades”, diz Sônia. “O banco não é nosso, é da comunidade, mas nós somos do banco, então podemos ajudar a formar quem vier depois de nós”.

Fórum mensal

As funcionárias do banco foram responsáveis pela formação de um fórum mensal onde se reúnem representantes de vários órgãos, desde igrejas, passando pela Defesa Civil, até a Associação de Moradores, para discutirem assuntos interessantes à comunidade.

Durante a entrevista, vários carros de campanha e grupos militantes passaram pela porta do grupo. Numa das passagens, uma militante do Partido dos Trabalhadores (PT) entrou no banco. Regina de Fátima Brito, 51 anos, é mãe solteira e mora com sua filha, uma universitária de 23 anos. Ela afirma que não sente falta da presença masculina. 

“Vivo muito bem. Melhor do que se estivesse casada. Prefiro ficar só. Eu durmo a hora que quero, acordo a hora que quero, ouço meu som no volume que eu quero, não tem ninguém para falar nada. Faço as coisas porque eu quero. O homem que eu queria casar passou na minha vida há muitos anos”, relata a militante, que foi casada por 15 anos com outro companheiro, já falecido.

Criada pelos pais, Regina lembra que quem cuidava dela e de seus seis irmãos, na verdade, era a mãe, pois o pai, ferroviário, viajava muito. “A gente não precisa de homem para viver, para ser feliz. E as pessoas cobram, se a mulher é solteira e vive só, cobram que ela se case”, observa Regina, que acredita que a mulher é livre para tomar suas decisões, “Não existe essa lógica de que a mulher tem que nascer para casar, ter filhos. Isso já passou.” 

Já Sônia Maria considera que não faz sentido as mulheres que vivem em comunidades serem vistas como “coitadas”. Ela destaca que as mulheres que vivem áreas pobres lutam para desfazer essa ideia e transmiti-la a seus filhos. 

Outro ponto destacado por Sônia são os esforços dela e do ex-marido para manter a filha no ensino privado, mesmo com a concessão de uma bolsa parcial. Neste sentido, ela observa uma aproximação de classes sociais distintas no acesso à educação. “Às vezes nossos filhos estão junto com o pessoal da elite, mas ninguém sabe o sabe o sacrifício que é para conseguir uma bolsa. Eu e meu ex-marido trabalhamos muito e o dinheiro que tínhamos investíamos nela”, relembra.

Sônia finaliza refletindo se a forma que a sociedade enxerga a favela vai mudar. Para ela, a atual geração está mais preparada para quebrar esse estigma do que as anteriores “Os pais não estão preparados, mas os filhos estão. Têm atores famosos que não saem da favela. Isso é raiz. Eu posso sair daqui para ir para um lugar melhor, mas aqui, mal ou bem, estão as minhas raízes”, resume.

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